quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Dom de Línguas

Introdução
O dom de línguas continua sendo ignorado assim como no passado. Aliás, os próprios coríntios, assevera o apóstolo Paulo, eram ignorantes no tocante aos dons, principalmente o de variedade de línguas. Alguns hoje em dia citam o trecho de Marcos 16 demonstrando postura tendenciosa, pois se agarram na expressão ‘falarão novas línguas’, mas fazem vista grossa para o conjunto de sinais contidos. A utilização de versículo fora de contexto não é algo da atualidade. Contudo, sempre causa o maior estrago, visto que, deturpa o escrito sacro.   
A falta de compreensão acerca do dom de línguas conforme descrito na Bíblia tem levado a desvios doutrinários, inclusive a contrafação do dom espiritual em questão. No cenário evangélico em pleno século 21 tornou-se uma verdadeira ‘babel’, isto é, confusão.
Se o leitor hodierno quiser entendimento adequado em relação ao dom é de bom alvitre atentar primeiramente para o livro de Atos dos apóstolos. O capítulo 2, por exemplo, é cristalino. Já na carta paulina, refiro-me a primeira aos coríntios, os capítulos 12-14 devem ser lidos, tendo em mente a epístola toda. Vê se claramente que havia manifestação atribuída ao Espírito que causava confusão e desordem cúltica. Por isso, o apóstolo Paulo argumenta de tal modo a fazer os cristãos a se ‘aquietarem’. O apóstolo na verdade corrige-os.
Devemos adotar a Bíblia como única regra de fé e conduta. Então, toda a nossa experiência religiosa precisa ser respaldada nas Escrituras. A nossa experiência não está acima da Bíblia, antes necessita passar pelo crivo escriturístico. Esta é ao menos a minha postura e entendimento. Dessa forma o dom legítimo da parte do Espírito Santo jamais causará dano a igreja de Cristo, será outorgado e, conseguinte usado para a edificação da grei.

O fenômeno de Línguas em Marcos 16
No versículo 17 desse capítulo do Evangelho consta a expressão ‘falarão novas línguas’. Este é um dos versos mal compreendido, por sua vez, mal aplicado também. Alguns nos dias atuais evocam com o intuito de ‘provar’ tanto a existência quanto a permanência das enunciações de palavras ininteligíveis. Outros as têm como evidência física do batismo no Espírito Santo!
Atente que o capítulo supracitado versa sobre um bloco de sinais.  Estes sinais seguirão aos que crerem: em meu nome, expulsarão demônios; falarão novas línguas; pegarão nas serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e imporão as mãos sobre os enfermos e os curarão” (Vs.16-17). Entretanto, o interesse das pessoas reside apenas em línguas. Por esse motivo detenho-me nele. De fato, o trecho menciona que seriam faladas ‘novas línguas’. Mas que línguas são essas? O autor Marcos caso tivesse em mente ‘línguas incompreensíveis’ usaria o adjetivo ‘néos’ para novas, porém, cuidadosamente fez utilização de ‘kainais’. Desta maneira, estava indicando que falariam novas línguas no sentido de línguas étnicas. Isto mostra que a evocação desse trecho não legitima necessariamente a prática de línguas hodiernas, já que são fenômenos distintos.

Línguas no livro de Atos dos Apóstolos
Afirmei que nesse livro há ensino nítido sobre o dom de línguas. Não preciso me esforçar para mostrar isso, uma vez que o próprio ledor verá o autêntico dom conforme preceituado na Bíblia. Existem apenas três casos onde são descritos o fenômeno de línguas. Então, não será demorada a análise.
O primeiro caso deu-se no dia de Pentecostes. De acordo com o registro bíblico houve fenômenos audíveis e visíveis. No verso 4 do capítulo 2 diz que: “E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem”. Note bem que a capacitação de falar em várias línguas foi miraculosa da parte do Espírito Santo. Outra coisa que merece destaque é que não foi falada uma língua só, mas diferentes línguas. Que línguas? Ora, conforme os versos 8-11 foram falados línguas e dialetos de quase 15 nacionalidades representadas naquela ocasião. Sem dúvida alguma os discípulos falaram idiomas humanos!
Outro relato consta em Atos 10. Em Cesaréia o Espírito Santo desce sobre Cornélio e os de sua casa, confere a eles a capacidade de falar em línguas. O apóstolo Pedro que estava junto deles diz que aconteceu o mesmo que no Pentecostes (V.47). Em sua explicação no capitulo seguinte deixa patente que aconteceu fenômeno idêntico (Vs. 15-17). Logo, foram faladas também línguas estrangeiras.
A terceira e última descrição do fenômeno de línguas acontece em Éfeso, devidamente registrado no capítulo 19. O Espirito Santo veio sobre os discípulos de João, “e falavam línguas, e profetizavam” (V.6). Observe que os relatos anteriores no livro de Atos indubitavelmente tratam-se de línguas humanas concedidas sobrenaturalmente pelo Espírito Santo de Deus. Será que nesse episódio é diferente?  Lucas, o escritor do livro, o vê como idêntico aos outros dois. Ao contrário, como médico (e cá entre nós- detalhista) certamente faria a devida observação. Não o fez porque era igual. O dom de línguas refere-se a idiomas humanos, línguas inteligíveis, portanto.

Dom de línguas na epístola de Paulo aos coríntios
É bom lembrar que a manifestação de línguas não é registrada em nenhuma epístola neotestamentária, exceto a primeira aos coríntios. Historicamente não há relato de línguas noutras igrejas primitivas. Nesse caso, a história simplesmente depõe. No entanto, acho importante o conhecimento da historia da igreja. Deveria nos interessar pelo menos como cristãos em saber o que aconteceu nos tempos passados. Incentivo o distinto leitor a fazer sua imersão na história eclesiástica. Além de conhecimento e informação ajudará a entender muitas coisas da atualidade no cenário cristão.
A igreja em Corinto não era, diga-se de passagem, uma igreja exemplar. Foi uma grei bastante problemática. Se quiser analisar uma igreja modelo, não perfeita é verdade, indico a carta de Paulo aos filipenses. Neste sentido, a igreja em Filipos é digna de ser imitada!
É imperioso o ledor contemporâneo fazer a leitura na íntegra dessa epístola para compreensão adequada. Paulo menciona uma lista de dons espirituais para os crentes em Corinto. Nesta descreve ‘variedade de línguas’ entre outros. Acompanhado de interpretação de línguas é claro. Isto está no capítulo 12 verso 10.
Apesar da manifestação de línguas na igreja Paulo mostra que havia ignorância dos crentes acerca dos dons espirituais (12.1). Julgou necessário falar da vida pregressa de uns em religiões de mistérios e, enfatizou que a vida cristã deles desde então é vida no Espírito. E que o Espírito de Deus é ordeiro, isto é, estabelece ordem e decência cúltica.
Paulo diz entre outras coisas que a diversidade de dons requer unidade no corpo de Cristo. Nenhum dom é outorgado para fraturar o corpo de Cristo, a igreja. É concedido soberanamente visando proveito comum. O dom espiritual é dado para a edificação da igreja.
No entanto, algo que me chama a atenção é que ao mencionar o dom de línguas utiliza um termo que é atribuído sempre a esfera humana. Refiro-me ao vocábulo ‘gene’. Este está atrelado à espécie humana. Indicando que Paulo certamente fala sobre línguas étnicas. Ele não tem em vista línguas incompreensíveis, senão inteligíveis.
No que tange ao capítulo 14, quando lido juntamente com os capítulos 12 e 13, o apóstolo não incentiva os coríntios a falarem em línguas [na igreja], mas a dar ênfase a inteligibilidade cúltica. O que importa na congregação é a edificação desta. Por esse motivo, os argumentos paulinos visam os coríntios se ‘aquietarem’. Tudo indica que houve melhora significativa com a orientação apostólica já que na outra epístola Paulo não tenha voltado ao assunto.

Conclusão
Vimos que as línguas em Marcos referem-se a distintos idiomas humanos conforme se verificou no dia de Pentecostes por ocasião da vinda do Espirito Santo. Indubitavelmente o dom de línguas em Atos são línguas estrangeiras. E o dom não mudou! Continuou sendo línguas étnicas como assinalou o apóstolo Paulo (1 Cor 12.10).
A questão envolta ao capítulo 14 dá pano pra manga, então, tive em vista o ensino geral das Escrituras (sem me deter tempo em detalhes). Aliás, sugiro que o capítulo 14 deve ser lido considerando parágrafo por parágrafo, pois aí consta a unidade de pensamento do autor. É erro grosseiro pegar parte de versículo, de modo estanque. Isto trunca o texto, pois ignora o contexto.
À luz do texto de Paulo vê-se que o dom de línguas não é concedido a todos, a outorga é exclusivamente da parte do Espírito Santo que sabe a real necessidade da igreja local. Deus concedendo o fará para a edificação da igreja.

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